WhatsApp e política: novas formas de ciberativismo em Florianópolis

Foto de protestos políticos via whatsapp em Florianópolis

O objetivo geral deste artigo é investigar como o uso das tecnologias da informação e comunicação (TIC’s), em particular, o WhatsApp, no meio digital, vem se apresentando como elemento central para a convocação e a mobilização de ciberativistas nas formas contemporâneas de participação política. Para tanto, foi enfocado de que forma os usuários do grupo “#Unidos Contra o Golpe” organizaram protestos em 2016 na cidade de Florianópolis, em Santa Catarina, no que se convencionou denominar usualmente de ciberativismo.

Buscamos, em um segundo plano, compreender até que ponto as Jornadas de Junho de 2013, se mantiveram no imaginário dos ciberativistas investigados, considerando que essas manifestações representaram um ponto de inflexão na história social e política do Brasil. O método de investigação é “netnografia” do grupo do WhatsApp, juntamente com a análise de mensagens postadas e a realização de entrevistas semi-estruturadas, ressaltando as motivações quanto ao seu uso político.

Para isso, o estudo utilizou procedimentos analíticos de cunho qualitativo. O referencial teórico adotado é a teoria da “coreografia coletiva” do italiano Paolo Gerbaudo e a teoria agonística de Chantal Mouffe principalmente sua recente obra “Construir pueblo”, em co-autoria com Íñigo Errejón.

A pesquisa verificou o potencial mobilizador do WhatsApp para além das abordagens dicotômicas que, por um lado, defendem entusiasticamente o potencial democratizador da internet como uma espécie de “ágora digital”, por outro, observam sua expansão como tendência à alienação e à desmobilização.

Conclui-se, a partir da análise empírica, que os múltiplos usos do WhatsApp representaram novas formas de participação política traduzidas em mecanismos de ativação da cidadania e impacto positivo nas formas coletivas de sociabilidade do grupo.


(…)

Considera-se este trabalho uma contribuição para pesquisas da sociologia no âmbito do ciberativismo ao investigar como se utiliza o WhatsApp para aumentar o fluxo de comunicação no campo da política. Esta TIC, por ter seu caráter instantâneo a partir de interação imediata a qualquer hora e quase qualquer lugar, vem ganhando espaço para além da esfera privada, podendo também ser utilizado para a política.

Ao investigar o uso político do WhatsApp nas novas formas de ativismo, sem restringir a participação política a um receituário de ações tradicionais, pretendemos: “compreender melhor os fenômenos de participação política nas sociedades contemporâneas, reconhecendo que nem todos os movimentos e associações estão dispostos a participar dos espaços institucionais de partilha do poder” (PEREIRA, 2012, p. 84).

DICAS DE COMO PRODUZIR CONTEÚDO COM CONTEXTO NAS REDES SOCIAIS

Vivemos um tempo de esgotamento do modelo democrático neoliberal (MOUFFE, 2016) e “reinvenção da política” (MESSENBERG, 2015). Talvez um dos maiores obstáculos do século XXI seja justamente:

colocar as pessoas no centro, uma política humana, dos cuidados, para humanizar as instituições, aberta à participação, à deliberação, à tomada de decisão e à capacidade de desenvolver propostas. Politicamente, como a atividade que nos humaniza e nos dá significado substitui a política como herança técnica dos burocratas (SABARIEGO, 2016: p. 269, tradução nossa).

Esta pesquisa caminhou no sentido de investigar um espaço de política criado no WhatsApp para além dos canais institucionais. Além disso, a pesquisa sobre internet e participação política tem sido explorada e aprofundada durante os últimos seis anos da vida acadêmica deste pesquisador (BARBOSA, 2014; 2015; 2016), o que é também um fator relevante para dedicação a este estudo.

Para a sociologia, as pesquisas que relacionam práticas participativas e meio online oferecem novas maneiras de se pensar a política no mundo atual.

Enfim, este trabalho ainda tem a justificativa de que os ciberativistas investigados terão um trabalho acadêmico publicado sobre a forma de organização do UCG, Unidos Contra o Golpe, grupo do WhatsApp,. Nosso intuito não é estabelecer uma relação causal entre o WhatsApp e participação política, mas desvendar o conteúdo social presente neste processo, buscando novos insights, mesmo que se considere a incapacidade de cobrir todos os possíveis aspectos da temática em um momento de velozes transformações tecnológicas (KIES, 2010, p. 5).

O objetivo geral desta dissertação é identificar e analisar novas formas de participação política promovidas pelo uso do WhatsApp. Como objetivos específicos busca-se entender:

  • Qual é o papel político do WhatsApp na convocação e mobilização dos ciberativistas do UCG?
  • A forma como os usuários utilizaram o WhatsApp gera novos repertórios de participação?
  • Qual é o lugar ocupado pelas Jornadas de Junho de 2013 no imaginário dos entrevistados?

Há pouca produção acadêmica sobre estudos que relacionam a ferramenta do Whatsapp com o mundo político.

A estratégia metodológica adotada foi a “netnografia” do grupo do WhatsApp desde o ingresso deste pesquisador em meados de abril de 2016. A partir da “netnografia”, realizamos a análise das informações postadas pelos usuários do grupo no mês de setembro de 2016 e quinze entrevistas semi-estruturadas com residentes de Florianópolis inscritos no UCG.

Não menos importante, realizei uma pesquisa nas edições de junho de 2013 do jornal Diário Catarinense – DC de Florianópolis na Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina para observar a cobertura da mídia tradicional sobre as Jornadas de Junho de 2013.

A partir desta análise, foi possível contrastar as informações colhidas das edições do Diário Catarinense com o imaginário dos entrevistados a respeito dessas manifestações em Florianópolis, considerando que junho de 2013 representa um ponto de inflexão na história social e política do Brasil.

O estudo em questão foi realizado de modo amplamente qualitativo. As “pesquisas quali são percebidas como adequadas a uma abordagem em que o foco do trabalho recai sobre a investigação do ponto de vista subjetivo dos indivíduos e suas formas de interpretação do meio social onde estão inseridos” (KIRSCHBAUM, 2013, p. 181).

Procurou-se fazer uma análise qualitativa de processos de “troca argumentativa online que combine as especificidades das interações sociais rotineiras da rede com o caráter reflexivo das interações
politizadas” (MARQUES, 2011, p. 19).

Esta dissertação está dividida em três seções.

  1. No primeiro capítulo elucidamos uma discussão teórica sobre como o ciberativismo pode ser considerado uma forma de participação para além dos canais institucionais da política, revisamos a bibliografia sobre a temática de internet e política e ressaltamos como novas práticas participativas podem sim utilizar o WhatsApp como ferramenta de politização.
  2. O capítulo dois é dedicado à análise empírica, a partir da combinação das metodologias supracitadas: em um primeiro momento interpretamos a “netnografia” juntamente com as postagens do UCG em setembro de 2016 e, na segunda parte, apresentamos o resultado das entrevistas feitas com os ciberativistas de Florianópolis. Esta seção do trabalho compreende a troca de experiências compartilhadas pelos ciberativistas inscritos no grupo e reflete sobre como podemos utilizá-las à luz da conjuntura política que o Brasil atravessou no ano de 2016. O texto avança no sentido de aproveitar ao máximo a operacionalização das estratégias propostas no escopo metodológico criado por este pesquisador para realizar uma rafiografia do UCG.
  3. O capítulo três discute sobre como este trabalho nos revela um “novo olhar” sobre como ver e fazer a política no século XXI, tendo como base as interações do grupo investigado no WhatsApp. Ainda nesta seção, dissertamos sobre como as Jornadas de junho de 2013 significaram um não legado para os ciberativistas entrevistados, debatemos as nuances entre as notícias veiculadas pelo Diário Catarinense sobre a cobertura das Jornadas e apresentamos os resultados dos dados colhidos em diálogo com a bibliografia revisada nos capítulos anteriores, ao exprimir uma “reinvenção” do que é a noção tradicional de participar.

Por último, são realizadas considerações finais.


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O ciberativismo, ao fim e ao cabo, é uma manifestação de ativismo social contemporâneo, na qual o emprego das Tecnologias de Informação e Comunicação, TIC’s, promove modalidades criativas de ações políticas colaborativas em redes digitais. Trata-se de colocar em prática uma nova maneira de ver, sentir e agir politicamente na sociedade contemporânea ao propor ideias e ações por meio de inúmeros usos de TIC’s que estão reinventando o ativismo político.

Modalidades do Ciberativismo no meio digital

Modalidades de Ciberativismo no WhasApp no meio digital
Fonte: Tipologia proposta por PENTEADO et al (2015). Adaptação do autor.

Renomados sociólogos têm se destacado na seara do ciberativismo, entre os quais: o italiano Paolo Gerbaudo, o argentino Pablo Vommaro, o espanhol Manuel Castells, a brasileira Maria da Glória Gohn e o espanhol Carles Feixa. Gerbaudo (2012; 2014; 2016; 2017; 2017a; 2017b) talvez seja uma das vozes mais ativas no que tange o ciberativismo no mundo contemporâneo.

O sociólogo italiano ressalta que o ciberespaço ocupa uma posição onde tudo acontece, ou seja, onde os indivíduos conectados trocam ideias entre si e com o mundo. Os ciberativistas atuam como internautas que colam, copiam, replicam, editam, sintetizam e multiplicam as mídias sociais, em milhões de tweets e posts sobre notícias a respeito dos acontecimentos políticos em geral.

MARKETING DE CONTEÚDO NO MEIO DIGITAL: TEORIA E ANÁLISE PRÁTICA

O autor realiza um rico trabalho de campo etnográfico ao testemunhar as múltiplas manifestações de ativismo através das redes sociais virtuais. Seu conceito-chave é choreography of assembly (coreografia coletiva). Entende-se como um “processo de construção simbólica de um espaço público que se constrói em torno de um ajuste de cena emocional e um script dos participantes na assembleia física” (GERBAUDO, 2012, p. 12, tradução nossa). As coreografias coletivas podem ser “caracterizadas por sua inventividade e dinâmica de ação, agrupando um número significativo de estratégias. O uso de diferentes estratégias é seguido de uma atualização constante das informações na internet, demonstrando dinamismo e envolvimento” (PENTEADO et al, 2015, p. 1611) com o meio off-line.

Gerbaudo (2017) também ressalta o surgimento de cultura política híbrida, na qual o mesmo manifestante que segura a máscara do Guy Fawkes do anarquismo é capaz de estender a bandeira nacional de seu país. Há um paradoxo entre o que se define como parte de um movimento autônomo contra o Estado, mas que,  contraditoriamente, depende dele para satisfação de suas demandas.

Foto de protestos políticos via whatsapp em Florianópolis
Disponível em: https://scoretracknews.wordpress.com/2013/06/18/6289/ Acesso em: 15 de julho de 2016

Em 1983, o escritor britânico Alan Moore criou o roteiro da revista de quadrinhos “V de vingança”. Na sua história, a Inglaterra está sob um regime fascista e os direitos civis, a arte e a cultura foram retirados da população. Eis que surge um homem chamado “V”, que utiliza métodos radicais para restituir à população inglesa a liberdade de escolha. O personagem em questão usa uma máscara que representa a figura histórica de Guy Fawkes que participou de uma conspiração contra o Rei Jaime I e tentou explodir o Parlamento Inglês em 1605. A adaptação da história para o cinema disseminou o conhecimento da máscara mundo afora. A intenção de “V” girava em torno de levar um futuro melhor para o povo e esclarecimento para resistir à opressão e aos abusos do governo. O Anonymous, por exemplo, adotou esta máscara como símbolo por ter uma proposta parecida com a de “V”. No caso das Jornadas de 2013 no Brasil, vimos com bastante frequência nos protestos o uso da máscara como representação de que o espírito das pessoas unidas demonstrasse a defesa de seus direitos e liberdades, tornando-as um único espírito coletivo. O fato é que a máscara de Guy Fawkes transbordou o enredo do filme e, fez parte de várias manifestações que imprimiram uma falta de sintonia entre os anseios da população e a agenda política dos partidos e parlamentares (GERBAUDO, 2017).


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A “geração Hashtag” formada pelas mobilizações coletivas da juventude na era da internet é destacada no trabalho de Feixa et al (2016). Estes jovens estiveram presentes em inúmeros protestos sociais que explodiram nos últimos anos entre 2009 e 2014. A saber: “todos estes movimentos surgiram no meio virtual, criaram hashtags que se
converteram em Trending Topics (tendências mundiais) e consolidaram o papel mobilizador das redes sociais virtuais em geral e do Twitter em particular” (FEIXA ET AL, 2016, p. 111, tradução nossa).

A geração # (hashtag), segundo Feixa et al (2016), perfaz uma nova fase da sociedade em rede, caracterizada pela supremacia das redes sociais virtuais. Uma de suas características basilares é a indexação (classificação numérica e temática) dos atores participantes respeitando afinidades sociais, ideológicas e culturais, assim como uma multiplicação exponencial das capacidades de conexão e colaboração entre os jovens (FERNÁNDEZ-PLANELLS, 2016). Esta geração inaugura “novas formas de protestos, onde jovens de distintos países participam de manifestações convocadas pelo meio virtual e propagadas e organizadas por telefones móveis” (FEIXA ET AL, 2016, p. 111, tradução nossa).

O que todos estes autores apresentam como denominador comum, em maior ou menor grau, é abrir espaço para possibilidades políticas cujas posições não estão dadas, mas são construídas pelos atores sociais envolvidos no processo. As chaves de análise – Gebaudo (“coreografia coletiva”); Vommaro (“carnavalização dos protestos”); Feixa (“geração hashtag”); Castells (“movimentos sociais em rede”) Gohn (“novíssimos movimentos sociais”) – expressaram movimentos contemporâneos associados a uma “geopolítica da indignação global” (BRINGEL & PLEYERS, 2015) que devem ser situados por suas demandas peculiares “em diferentes coordenadas espaço-temporais” (BRINGEL & PLEYERS, 2015, p. 8).

As tecnologias de informação e comunicação, TIC’s, conforme visto, podem servir como instrumentos de mudança social e o ciberativismo ganha “nova roupagem” na seara de estudos sobre participação política ao proporcionar a emergência de novos espaços e atores sociais.

Neste trabalho, em específico, procuramos entender como o grupo criado no WhatsApp em Florianópolis serve como espaço proveitoso para formação de uma identidade coletiva que evoluiu de forma contingente e atingiu proporções que nem mesmo os usuários do grupo imaginavam em suas expectativas iniciais.


Ciberativismo em um grupo de WhatsApp em Florianópolis, Santa Catarina

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O WhatsApp é um “aplicativo de mensagens multiplataforma que permite trocar mensagens pelo celular sem pagar por SMS”. Foi criado em 2009 e teve seu auge em escala mundial no ano de 2012.

Desde então, vem passando por várias atualizações nas suas funcionalidades. Em apenas quatro anos de existência ele cresceu mais que o Facebook e seus números de penetração em diferentes países aumentam exponencialmente (GUTIÉRREZ-RUBÍ, 2015). Não por menos, em fevereiro de 2014, o Facebook anunciou a compra do aplicativo por 16 bilhões de dólares.

Os usuários dessa tecnologia móvel podem enviar imagens, vídeos e documentos em PDF, fazer ligações sem custos desde que haja conexão com a internet. Dentre as funcionalidades, destacamos:

  • conversa em grupos permitindo partilhar todo tipo de informação com os usuários inscritos (que é o canal investigado por este trabalho);
  • a modalidade WhatsApp Web, que sincroniza conversas do dispositivo móvel para outro dispositivo, (ou seja, no computador pessoal é possível retomar as conversas presentes no aplicativo do celular); e
  • a execução de chamadas de voz e de vídeo, podendo realizar até ligações internacionais.

(…)

Gutiérrez-Rubí (2015) destaca que os grupos presentes no WhatsApp relacionam indivíduos construindo comunidade de interesses, mas que também promove ação autônoma e criativa dos usuários. Há o que o autor denomina de mobile lifestyle: comportamento social e individual que relaciona, empodera e promove ação coletiva e autônoma a paritr do uso do smartphone. No nosso cotidiano, por exemplo, desde que saímos de nossos lares todos os dias vemos o quanto é comum ter algum indivíduo “clicando” a todo instante em seu celular.

Esse “mobile lifestyle” é percebido, por exemplo, nos grupos do WhatsApp ao aproximar pessoas com interesses comuns através da própria iniciativa individual que se inicia com o administrador do grupo.

O uso político do WhatsApp tem sido uma das marcas nas novas formas de ativismo online. Vissers & Stolle (2014) enumeram três questões centrais para as formas online de participação:

  1. a primeira é “como as pessoas se envolvem online e como podemos melhor medir e distinguir as atividades políticas online”;
  2. a segunda seriam questões como “Quais são os padrões de envolvimento político online e offline? É atividade online praticada por conta própria, ou sempre em combinação com ativismo offline? Em suma, vemos tipos de participação online distintos ou não?”;
  3. por último: quais novos grupos são trazidos para a participação política através da internet? (VISSERS & STOLLE, 2014, p. 942, tradução nossa).

Trazer estas questões para o grupo investigado foi um dos desafios desta pesquisa, por mais que a ferramenta estudada por (VISSERS & STOLLE, 2014) tinha sido o Facebook e a desta pesquisa, o WhatsApp. Procuramos investigar as expectativas, experiências e motivações dos usuários na articulação do UCG na combinação dos elementos online/offline.


Agora, fique com a introdução do estudo de caso do UGC – Unidos contra o golpe, o grupo foco do estudo deste trabalho. Em seguida, baixe a dissertação completa.

O ciberativismo no meio digital, no grupo de whatsapp “#ucg” – unidos contra o golpe

O “UCG” foi criado no dia 30 de Março de 2016 por um usuário de Florianópolis em um período próximo à votação pela Câmara dos Deputados do pedido de impeachment contra a presidenta Dilma Rouseff. O grupo chegou a ter 256 usuários inscritos que, reivindicavam a volta de Rouseff à presidência. Que contexto político brasileiro levou à criação do “UCG”? Por que o nome “Unidos contra o Golpe”? Este pesquisador verificou que desde sua criação as informações disseminadas no grupo aconteceram em meio a um período de turbulência política, conforme as datas-chave.

 


Baixe na íntegra a dissertação WHATSAPP E POLÍTICA – NOVAS FORMAS DE CIBERATIVISMO de autoria de Sérgio Barbosa dos Santos Silva

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em Sociologia Política sob orientação do professor Dr. Jacques Mick.

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